por: Murilo Carneiro
Autor: José Romualdo Quintão
Costumeiramente, menos nos dias frios e chuvosos, ao cair da tarde e quando os penúltimos raios solares escondiam-se atrás dos montes, o querido Tio Nico, em companhia de buliçosos sobrinhos, caminhava até a Volta Redonda, última curva da estrada donde descortina os primeiros casarios do pequeno arraial. Os sobrinhos, encantados e atentamente, escutavam as histórias, as lendas e principalmente os casos de assombramentos ali ocorridos, narrados com tamanho poder de persuasão, que várias crianças corriam, à noite, para o quarto de seus pais, temerosos dos fantasmas criados pelo contador de histórias.
Numa dessas ocasiões inventou e contou a lenda que deu origem ao nome do vilarejo, a qual se não é verdadeira é bem provável que assim o seja, ou como se diz em italiano: “se nom è vero è bene trovato”.
A caça, a pesca e os frutos comestíveis, escasseavam. Invocado Tupã (Deus) e exorcizado Nantshome (diabo), o Pagé Pó-Atú orientou ao cacique Qustote para levantar o acampamento situado na confluência do Uatú-Yupu (Rio Doce) com o Uatú-Bukúkúke (Rio Piracicaba) e transferi-lo para o Uatú-Piranga (Rio Piranga).
O grande cacique dos índios Botucudos, acatando os conselhos do velho Pagé, determinou a retirada do seu povo daquele sítio, dentro de duas Tary-hum (lua nova). A seguir convocou seis dos melhores caçadores e remadores da tribo para localizarem no Uatú-Piranga, nascente do Uatú-yupú, um novo campo de caça, pesca e de árvores frutíferas.
Vencidas as corredeiras e as cachoeiras do Uatú-Piranga, os índios batedores, após longa e cansativa viagem, localizaram um magnífico local, onde, entre montanhas, o rio corria manhosamente num leito de inúmeras e caprichosas curvas, formando daqui e dali remansos ensombreados por frondosos ingazeiros e jambeiros.
A rala vegetação que margeava o rio, por várias léguas, colaboraria sobremaneira na instalação da tribo e principalmente no deslocamento dos caçadores à busca de suas presas.
Três dos índios batedores permaneceram no sítio escolhido para melhor reconhecimento do terreno e verificar a inexistência de tribos hostis, e os outros companheiros regressaram, ao local de origem, para anunciarem a boa nova e colaborarem no deslocamento da tribo.
No exato momento em que a “torou qunkek (lua) derramava por sobre a taba toda a sua luminescência, a formar um belo contraste com o céu anilado e estrelado, os três recém-chegados, dispostos no centro da oca principal, com palavras acompanhadas de exagerados gestos, descreveram toda beleza e fartura do novo sítio.
À medida que a tribo evoluía na caminhada, em busca de seus objetivos, os índios alegremente observaram: as acrobacias dos assustadíssimos macacos; os vôos de variadas aves que nidificavam nos ramos das gigantescas árvores; bandos de espertas pacas e gordas capivaras a mergulhar nas verdoengas águas do rio; enormes cardumes de peixes de várias espécies a exibir as cores projetadas pelas suas belíssimas escamas, destacando-se as dos esfomeados dourados, que em pulos acrobáticos tentavam abocanhar as temerárias borboletas, que, em vôos rasantes, miravam-se no espelho d`água.
Recebidos por rubra revoada de guarás, aves avermelhadas, ciconoformes da família dos tresquornitídeos, os índios botocudos sentiram que eram bem-vindos. Obedecidas as ordens do cacique Qustote as índias depositaram no chão as “tang”(cesta de palhas), que até então estavam seguras em suas testas e apoiadas nos ombros, delas retiram os alimentos, os utensílios e os filhos menores.
O respeitado Pagé Po-Atú isolou-se do grupo e alcançou um dos pontos mais elevados do Sitio, onde a tribo alojara-se - Tio Nico, fez uma pausa, e indicou, aos seus atentos e curiosos ouvintes, o morro, no qual foi implantado um belo e grande cruzeiro de madeira.
O Pagé extasiou-se com a beleza descortinada e com muito sacrifício preparou uma fogueira, acendeu o cachimbo e, após algumas baforadas, mascou folhas de uma planta alucinógena e a seguir, com os braços erguidos acima da cabeça, invocou os espíritos ancestrais. Concluída a oração isotérica, acompanhada de sons e grunhidos estranhos, apanhou uma porção de terra, mirou o céu, o vale, e observou com muita atenção as sinuosas curvas formadas pelo leito do rio. O vento, que até aquele momento encontrava-se totalmente parado, soprou uma forte lufada que espalhou o pó espargido pelo Page sobre a nova terra ocupada pelo seu povo. Concluída a pajelança da posse pronunciou os seguintes dizeres:
Abençoada sítio de Kara e Ambau (lugar onde o mato é ralo e o rio faz curvas) que tão bem acolheu o meu povo. O nome que é dado a este local pelos os espíritos de meus antepassados deverá ser lembrado por todas luas, Maldiçoado seja àquele que tentar olvidá-lo e/ou muda-lo, porque sobre ele recairá as iras de Natshone (diabo) e as futuras gerações o vilipendiará. Assim foi dito e assim será cumprido.
Em 1710 o taubateano João Siquera Afonso, a fim de prear índios e catar ouro, arribou naquele sítio, onde fundou uma pequena comunidade e ciente da maldição do Page Pó-Atú, apenas aportuguesou o nome de Kara Ambaua para CALAMBAU, cujo nome, depois de mais de duzentos anos, por pura sandice política foi trocado por outro. À despeito do novo nome oficial que foi impingido, o nome CALAMBAU permanecerá para sempre no âmbito dos calambauenses autênticos e nos anais da história portuguesa e brasileira.
